Fonte: Canal Energia
O hidrogênio pode ter papel importante na otimização conjunta dos setores de energia elétrica e de gás natural no Brasil. A ideia é produzi-lo a partir das fontes renováveis de energia, intermitentes ou sazonais e de mais difícil previsibilidade, e injetá-lo em gasodutos. O processo é uma tendência global e pode ajudar a melhorar as condições de ambos os sistemas, o elétrico e o de gás natural, aumentar o aproveitamento de ambos e atender de forma mais eficiente às necessidades energéticas do País com a otimização de recursos disponíveis e consequente redução de custos e de impactos ambientais.
A produção do hidrogênio é feita a partir da eletrólise da água, um processo que resulta também em oxigênio – igualzinho ao experimento que a maioria de nós fez no laboratório da escola no ensino médio. A eletricidade para tanto poderia ser gerada com excedentes de bagaço de cana ou outras biomassas, usinas solares, energia eólica produzida em momentos de menor demanda (como de madrugada), ou a partir de excedentes ou disponibilidades de hidroeletricidade de menor custo, como eventuais volumes d’água que teriam que ser vertidos caso não pudessem ser armazenados em reservatórios de usinas hidrelétricas.
O passo seguinte é adicionar o hidrogênio ao gás natural nos gasodutos de transporte. A adição de até 15% de hidrogênio puro no metano não teria qualquer impacto negativo na combustão nos diversos equipamentos industriais e domésticos alimentados pelas redes de gás. Por outro lado, proporcionaria vantagens como favorecer a integração dos setores de energia elétrica de gás natural, aumentando a complementariedade dos respectivos sistemas. A alternativa também é mais eficiente do que as baterias tradicionais de íons de lítio.
No caso brasileiro, o caso mais significativo de otimização do setor elétrico poderia se dar no Nordeste, região em que a participação de fontes eólicas na matriz local tem aumentado significativamente e, com esse aumento, também é crescente a necessidade de realocações de cargas cada vez maiores, em curtos intervalos de tempo, para compensar as variações nas intensidades de ventos e consequente geração eólica. A longo prazo, o arranjo com o hidrogênio poderia funcionar como um apoio às usinas termelétricas a gás natural, na medida em que, os contratos de gás daquelas unidades geradoras, em geral do tipo “take or pay”, poderiam ter seus patamares firmes otimizados, reservando determinados volumes a serem supridos de forma mais flexível, a partir de hidrogênio puro ou de metano produzido a partir da reação catalítica entre hidrogênio e dióxido de carbono.
Na Europa, além da questão da intermitência dessas fontes, a ideia é usar a tecnologia para ampliar o aproveitamento do potencial hidrelétrico da Noruega. Estudo da Plataforma Europeia Power-to-Gas mostra que quatro de sete cenários analisados considerando essa possibilidade teriam custos inferiores aos previstos nos cenários de 100% de fontes renováveis em 2050 e de implantação do projeto e-Highway 2050 (que prevê a integração total do continente europeu por meio de redes de transmissão), mesmo considerando que a eficiência do ciclo power to gas é de 45%.
Na Alemanha, os projetos já começam a sair no papel. No ano passado, a Hydrogenics Corp. assinou um contrato com a Wind to Gas Südermarsch para instalação de uma planta de 2,4 MW em Brunsbüttel. A unidade vai converter excedentes de energia eólica em hidrogênio, que será injetado na rede de gás natural da região. Na França, por sua vez, a Engie acaba de inaugurar o projeto GRHYD, de gestão da rede por meio da ingestão de hidrogênio em Durquerque.
A expectativa é que essa frente também avance no Reino Unido. Conforme análise do Instituto de Engenheiros Mecânicos (IMechE, na sigla em inglês), o armazenamento de hidrogênio na rede de gás britânica poderia permitir um uso mais eficiente da energia renovável excedente e em maior escala e a menor custo do que com baterias. O hidrogênio também poderá ser utilizado como combustível de baixa emissão para o transporte, aquecimento e até como matéria-prima para indústrias de amônia e plásticos.
No Brasil, os esforços neste momento estão direcionados ao entendimento sobre como a lógica, a eficiência, a economicidade e o potencial dos arranjos energéticos com o hidrogênio poderão favorecer o desenvolvimento do setor de energia, a melhoria da otimização das fontes da matriz energética (tanto em nível regional como nacional), as possibilidades de aprimoramento conjunto com as redes de gás natural e reduções de custos de capital e ambientais. Evidentemente há que se considerar as características específicas da matriz energética do Brasil e os recursos disponíveis. Ou seja, é preciso pesquisar o que tem sido feito com sucesso em outros países do hemisfério norte, identificar o efetivo potencial de aplicação no Brasil e desenhar os arranjos técnicos, comerciais e regulatórios que possam efetivamente aumentar a eficiência dos sistemas energéticos e consequentemente contribuir para uma maior eficiência econômica do País.
Importante observar que o interesse pelo hidrogênio não é uma novidade por aqui: os estudos começaram na década de 1980, após a segunda crise do petróleo. Naquele momento, a perspectiva era produzir o gás a partir da hidroeletricidade, para uso como combustível. Mas até hoje o País conta, via de regra, apenas com o hidrogênio produzido a partir de combustíveis fósseis, principalmente nas unidades de processamento de gás natural, e destinado para processos industriais, como o tratamento de óxido-redução no aço e no vidro.
As pesquisas em andamento indicam que há muito mais espaço para o insumo no armazenamento de energia, como será discutido na 22ª Conferência Mundial de Energia do Hidrogênio, que acontece no Rio neste mês de junho. Hoje, os desafios da mudança climática somam-se à necessidade que tem o Brasil de melhorar suas condições de abastecimento de gás natural e eletricidade. O fato é que o Brasil tem espaço para otimizar as condições de aproveitamento de sua matriz elétrica, utilizando recursos disponíveis com maior eficiência: a produção de hidrogênio a partir de energéticos circunstancialmente excedentes e sua adição aos gasodutos certamente representa alternativa importante nesse sentido.
Demóstenes Barbosa da Silva é presidente da Base Energia Sustentável.